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Foto do escritorLucas Almeida

Nossa sociedade sempre foi obcecada por espaços de transição. A experiencia de entrar ou sair de um lugar, para a arquitetura, é tão importante quanto o próprio lugar em si. Desde as igrejas barrocas até os palácios a transição entre o externo e interno faz parte do que se entende por espaço construído, não só pelas características físicas dele, mas também pelo que os visitantes experienciam ao passar pelo umbral.

É interessante perceber que em casa essa sensação não é diminuída, ainda que não tenhamos grandes halls e antessalas, como em uma igreja. Vimos isso muito claramente quando precisávamos passar álcool em gel na mão e pendurar nossas máscaras sempre que vínhamos da rua, mas não podemos dizer que esse comportamento seja exatamente novo. Tirar o sapato, lavar as mãos, pendurar casacos e bolsas, entre outros, sempre fizeram parte do nosso ritual de entrar em um lugar.

O interessante dessa transição é que ela não tem apenas a ver com higiene, ainda que o hall de entrada seja o espaço mais propício para tirar os sapatos e lavar as mãos antes de chegar em casa. Enquanto seres sensoriais e sociais nós temos a necessidade de sentir e qualificar nossas experiencias, sejam elas entrar por um corredor baixo e pequeno para então se deparar com as abóbadas altíssimas de uma igreja gótica ou apoiar o que temos nas mãos e tirar os sapatos assim que abrimos a porta de casa para poder abraçar quem nos espera.

O grande ponto é que esse hábito humano, que existe em diversas culturas ao redor do planeta, nunca precisou de um ambiente demarcado para existir, diferente da cozinha, que é o lugar destinado a preparar alimentos e dificilmente o faremos em outro cômodo. Nossa vontade de ter experiencias nos leva a automaticamente criar transições quando entramos ou saímos, acompanhadas de rituais simples, como trancar e destrancar a porta, ou complexos, como pendurar as chaves, higienizar as mãos e se sentar para tirar os sapatos, e isso faz com que um hall de entrada vire um ambiente meio híbrido, que existe muito mais porque precisamos de um motivo para ritualizar do que por ser fisicamente delimitado.

Durante séculos as pessoas se reuniram em grupos para compartilhar conhecimentos e vivências, criando o que nós entendemos por sociedade. Uma das coisas mais legais que tiramos disso foi a capacidade de dar significados à experiencias coletivas para que elas tenham alguma importância a mais do que apenas acontecimentos. Sendo assim, é interessante a quantidade de histórias que existem ao redor de uma porta de entrada, todos os abraços de reencontro e despedida que aconteceram exatamente ali, os objetos que deixamos ao redor para não esquecermos de levar conosco, os apoios e cabides que existem apenas para nossa chegada ser mais confortável e até mesmo os hábitos de higiene que fomos construindo com o tempo. Isso porque o hall de entrada não é apenas um ambiente funcional e lógico para setorizar uma edificação, mas sim um espaço de transição que nos permite experiencias, como a de pendurar uma bolsa pesada e guardar as chaves do carro depois de um longo dia de trabalho e se preparar para ganhar um abraço de quem nos espera do lado de dentro.


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Foto do escritorLucas Almeida

Segundo o dicionário, o verbete orgulho indica “sentimento de prazer, de grande satisfação com o próprio valor, com a própria honra”, é exatamente esse sentimento que é comemorado mundialmente no mês de junho, quando relembramos que em 1969 no West Village, em Nova Iorque, uma mulher transsexual quebrou o para-brisa de um carro de polícia iniciando o que seria o marco zero na luta pelos direitos LGBTQIAP+ em uma manifestação pacífica na qual ninguém morreu. Cinco décadas depois, o motim de resistência que se iniciou com uma mulher trans negra em frente ao bar Stonewall Inn é celebrado em uma Parada do Orgulho nas maiores capitais do mundo durante o mês de junho, e São Paulo pode se orgulhar se ter a maior do mundo, movimentando não apenas a economia como o turismo na cidade[1].

Essa comemoração da luta pelos direitos das pessoas LGBTQIAP+ acontece na capital paulista desde 1997 e ressignificou um momento de luta violenta na história da comunidade queer. Marsha P. Johnson, assim como Diana Ross, Eduardo Lafon e Silvetty Montilla, ilustram as paredes da Casa Fluida, um bar no centro de São Paulo que celebra o orgulho de ter essas pessoas revolucionárias como padroeiras para que hoje nós possamos nos reunir, amar e fluir sem medo.

O bar-restaurante, que também abriga uma galeria de arte, ocupa três andares de uma casa na Rua Bela Cintra onde acontecem shows de drags enquanto é servido o melhor drink com rapadura da capital. Os ambientes internos e externos vão criando espaços para a convivência dos frequentadores que sempre é marcada pelo show de Mahina Starlight, a drag residente da casa. Subir as escadas se transforma em uma experiência de descoberta, pois nunca se sabe se iremos encontrar um ateliê, obras penduradas nas paredes, mais mesas, um grande camarim ou até mesmo um terraço com murais de diversos artistas e uma vista da noite paulistana. As luzes difusas e essa quantidade enorme de informação e detalhes foram pontos trabalhados com carinho nesse projeto, para que a ambiência do bar fosse muito aconchegante, ainda que despertasse curiosidade aos olhos.

Todo o sincretismo cultural que acontece dentro dessas paredes se expressa também de maneira visual em todas as partes, a estética cabaré com ambientes muito coloridos, luz difusa e muitos mobiliários antigos cria um clima bastante interessante para esse espaço que é um pouco de muita coisa. Os detalhes em dourado vão acompanhando os três andares da casa, assim como o piso de madeira, o bar é visualmente marcado por uma bancada de mármore iluminada e a varanda tem neons e cadeiras junto aos painéis artísticos das paredes laterais. O camarim burlesco não é por acaso, qualquer um de nós pode chegar na casa buscando apenas um drink e sair montado, após um batismo drag que acontece aos finais de semana.

Hoje, essas pessoas queers que visitam a Casa Fluida em casais, com lares, trabalhos e vidas construídas fora dali celebram Stonewall apenas por existirem. Este virou um espaço em que chegamos buscando uma noite divertida e saímos com uma experiência de estar vivendo algo que conquistamos com luta, porém também com muito amor em celebração da diversidade. Esses símbolos de diversidade estão expressos na nossa bandeira com o vermelho simbolizando a vida, o laranja a cura, o amarelo a luz do sol, o verde a natureza, o azul a arte e o lilás o espírito, porque a cultura queer é exatamente sobre isso, sobre se expressar, viver, amar e ser amado, construir coisas e fazer o bem, é sobre fluir nesse lugar, baby.

[1] https://www.capital.sp.gov.br/noticia/parada-do-orgulho-lgbt-se-consolida-como-a-maior-do-mundo-e-movimenta-a-economia-da-capital

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Foto do escritorLucas Almeida

Dizem que a boa identidade visual é aquela que reconhecemos só de ver as cores ou com uma descrição extremamente abstrata, como quando digo que comi um hambúrguer no restaurante do palhaço ou que minha vó gosta de ouvir a música do rei. Entretanto, a identidade muda muito com o tempo e o que vale para uma geração nem sempre é entendido pelas outras, basta ver qualquer tentativa minha de mostrar algum meme para a minha mãe e estragar toda a piada tendo que explicar e, ainda assim, ela não achar graça alguma em nenhuma das vezes.


Sendo assim, interessa muito para comércios que seus espaços sejam muito bem lembrados, talvez seja necessária uma rede mundial de fast food para ser reconhecido meramente por uma coroa, mas com a ajuda da internet e das redes sociais já é possível ser a pizzaria do banco amarelo ao menos no seu bairro. Esse tipo de comunicação não serve apenas para criar uma identidade de marca, afinal enquanto arquitetos estamos tão qualificados para projetar comunicação visual de marcas quanto açougueiros para fazerem uma cirurgia cardíaca, porém estudamos cores, formas, relações de espaço e conceitos de estética e, com isso, somos capazes de fazer ambientes que se tornam memoráveis pelo que são e, aliado a isso, cria-se uma marca forte.

Por isso que, diferente de quando falamos dos espaços que a arquitetura cria num lar, quando se trata de projetos comerciais não existe apenas uma família com um grupo de amigos que ocasionalmente fazem visitas para viver aquele projeto, nesse caso, o projeto contempla literalmente qualquer pessoa que passar por esse estabelecimento e se sentir atraído para entrar, seja intencionalmente ou apenas por descobrir um novo café andando pela rua e sentir a curiosidade de conhecer o local.


A diferença não está somente na escala do projeto, que abarca uma quantidade maior de usos e uma intensidade maior de fluxos, mas também nos espaços em branco que a arquitetura naturalmente deixa para que novas coisas nasçam e o ocupem. A vida, que só existe depois de o projeto ser ocupado, não será mais singular, de uma pessoa, uma família ou um grupo de conhecidos, esse espaço em branco deve ser suficientemente abrangente para que qualquer tipo de pessoa em qualquer circunstância possa usar e aproveitar aquele espaço da forma que lhe for mais confortável.

Por isso que se torna muito interessante projetar espaços comerciais, porque o destino nem sempre é aquele que foi imaginado inicialmente em projeto, porque ainda que as funções sejam claras ou até mesmo explicadas um espaço começa a ganhar novos usos a partir do contexto social e cultural de cada usuário que passar por ali e, sendo assim, ele dificilmente será exatamente igual foi na cabeça do arquiteto e, mais ainda, certamente mudará muito com o passar do tempo.

Então a graça de projetar espaços comerciais está, exatamente, na surpresa de voltar ali diversas vezes com o passar do tempo e ver como as pessoas se apropriam da arquitetura de diversas maneiras que jamais poderiam ser projetadas, previstas ou induzidas. Por isso que a arquitetura é tão silenciosa quando é bem feita, porque ela sabe exatamente o tamanho dos espaços em branco que precisa deixar para permitir que os usuários se sintam confortáveis para contar suas próprias histórias naquele espaço.

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