Nossa sociedade sempre foi obcecada por espaços de transição. A experiencia de entrar ou sair de um lugar, para a arquitetura, é tão importante quanto o próprio lugar em si. Desde as igrejas barrocas até os palácios a transição entre o externo e interno faz parte do que se entende por espaço construído, não só pelas características físicas dele, mas também pelo que os visitantes experienciam ao passar pelo umbral.
É interessante perceber que em casa essa sensação não é diminuída, ainda que não tenhamos grandes halls e antessalas, como em uma igreja. Vimos isso muito claramente quando precisávamos passar álcool em gel na mão e pendurar nossas máscaras sempre que vínhamos da rua, mas não podemos dizer que esse comportamento seja exatamente novo. Tirar o sapato, lavar as mãos, pendurar casacos e bolsas, entre outros, sempre fizeram parte do nosso ritual de entrar em um lugar.
O interessante dessa transição é que ela não tem apenas a ver com higiene, ainda que o hall de entrada seja o espaço mais propício para tirar os sapatos e lavar as mãos antes de chegar em casa. Enquanto seres sensoriais e sociais nós temos a necessidade de sentir e qualificar nossas experiencias, sejam elas entrar por um corredor baixo e pequeno para então se deparar com as abóbadas altíssimas de uma igreja gótica ou apoiar o que temos nas mãos e tirar os sapatos assim que abrimos a porta de casa para poder abraçar quem nos espera.
O grande ponto é que esse hábito humano, que existe em diversas culturas ao redor do planeta, nunca precisou de um ambiente demarcado para existir, diferente da cozinha, que é o lugar destinado a preparar alimentos e dificilmente o faremos em outro cômodo. Nossa vontade de ter experiencias nos leva a automaticamente criar transições quando entramos ou saímos, acompanhadas de rituais simples, como trancar e destrancar a porta, ou complexos, como pendurar as chaves, higienizar as mãos e se sentar para tirar os sapatos, e isso faz com que um hall de entrada vire um ambiente meio híbrido, que existe muito mais porque precisamos de um motivo para ritualizar do que por ser fisicamente delimitado.
Durante séculos as pessoas se reuniram em grupos para compartilhar conhecimentos e vivências, criando o que nós entendemos por sociedade. Uma das coisas mais legais que tiramos disso foi a capacidade de dar significados à experiencias coletivas para que elas tenham alguma importância a mais do que apenas acontecimentos. Sendo assim, é interessante a quantidade de histórias que existem ao redor de uma porta de entrada, todos os abraços de reencontro e despedida que aconteceram exatamente ali, os objetos que deixamos ao redor para não esquecermos de levar conosco, os apoios e cabides que existem apenas para nossa chegada ser mais confortável e até mesmo os hábitos de higiene que fomos construindo com o tempo. Isso porque o hall de entrada não é apenas um ambiente funcional e lógico para setorizar uma edificação, mas sim um espaço de transição que nos permite experiencias, como a de pendurar uma bolsa pesada e guardar as chaves do carro depois de um longo dia de trabalho e se preparar para ganhar um abraço de quem nos espera do lado de dentro.