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Foto do escritorLucas Almeida

A vista


Se formos procurar um dicionário com o repertório de palavras dos arquitetos “ampliar” e “integrar” talvez estejam entre os verbetes mais usados no dia-a-dia. Acontece que, quando estamos pensando em conceber um espaço, a ideia é de que tudo se converse para que realmente haja uma história e não seja apenas um apanhado de móveis e objetos sem liga. Se fosse em um bolo a integração seria a reação entre o glúten da farinha, o ovo e o fermento que vai fazer aquilo tudo virar uma massa só e crescer, ela é responsável por trazer uma característica de todo. Já a ampliação é a noz moscada, a canela e o gengibre que vão realçar o sabor do chocolate e trazer novas sensações quando comemos, aquilo que muda nossa perspectiva do ambiente e, muitas vezes, a forma com que o usamos.

Veja bem, ampliar nem sempre significa precisar de mais espaço. Existe uma ideia de que é necessário ambientes grandes, salas suntuosas e espaçosas para não sentir claustrofobia, contudo nossa noção de espaço apertado não se fixa somente no tamanho do ambiente. Janelas, altura do pé direito, cores, móveis, tapetes, iluminação e uma série de outras composições mudam a percepção de amplitude. Se ao sair do elevador nos deparamos com um hall cheio de espelhos temos uma sensação de amplitude por conta do reflexo, mas quando passamos pela porta e nos deparamos com a vista da varanda, na outra ponta da sala, que enquadra uma paisagem linda de São Paulo, a sensação de amplitude estará muito mais presente na paisagem do que no tamanho da sala em si.

Talvez seja daí que veio nossa vontade de integrar cozinhas com sala na maioria das vezes, esse desejo quase que universal não diz respeito meramente à amplitude visual de se cozinhar assistindo TV ou conversando com quem está no sofá, mas também é com a ausência de barreiras que deixamos de ter várias histórias fragmentadas a ser contadas e passamos a ter uma só. Enquanto deitamos preguiçosamente assistindo pela sétima vez A Fantástica Fábrica de Chocolate que passa na TV da sala existe alguém na mesa de jantar fazendo a lição de casa, na varanda outra pessoa estará admirando a vista enquanto uma quarta estará no fogão preparando omeletes e salada para o almoço, todas conversam ao mesmo tempo que todas escutam as sacadas irônicas de Willy Wonka e sentem o cheiro da salsinha fresca na frigideira invadir todo o espaço.

Contudo a integração não se dá apenas pela ausência, seja de portas, paredes ou barreiras. Ainda que se tenha tamanho, vista e aberturas é possível sentir-se apertado em alguns cantos, espaços que viram meras passagens por conta da largura estreita ou por não se ter uma função. Felizmente, para nós, quando Le Corbusier consagra a arquitetura moderna numa Europa devastada no pós guerra ele traz as fitas como o suprassumo da modernidade, a fita pode ser qualquer coisa que seja mais comprida do que larga, seja uma janela que rasga toda a fachada ou uma mesa que sai da cozinha e chega até a varanda sem nenhum pé, apenas abraçada ao pilar que a sustenta. As fitas têm a função além de estética, elas permitem que a gente traga um elemento de lá pra cá mesmo quando temos pouca largura de passagem e garante que tudo será conectado, sem deixar nenhuma pelota de farinha no nosso bolo.

Sendo assim, a orquestra da vida doméstica é tocada a diversas mãos fazendo diversas coisas ao mesmo tempo em diversos lugares diferentes, ela começa tirando abobrinhas da geladeira e as fatiando ao lado da pia da cozinha para logo enviá-las para a varanda através da mesa em fita, ali elas são embebidas em molho e entram na churrasqueira até a crosta crocante se formar, as abobrinhas, então, irão para a mesa de jantar junto com o arroz e as fritas e o cheiro que se espalha por todos os cantos irá chamar a todos que estiverem assistindo TV ou lendo um livro em alguma poltrona do cômodo. O ápice da peça será o momento em que todos se sentam juntos à mesa e o ambiente se inunda com o tilintar de garfos e facas, risadas e vozes sobrepostas até que não sobre mais nenhuma batata frita na travessa. Para a alegria de todos, nessa orquestra não existe cortina que se fecha com o fim da apresentação, o projeto de arquitetura foi perspicaz em lembrar que, depois que a janta acaba, a cozinha estará logo ali e todos poderão ajudar a lavar a louça.

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