lucas Almeida

lucas Almeida - 30 de nov. de 2023 - 2 min de leitura

A vista

A Vista

Se formos procurar um dicionário com o repertório de palavras dos arquitetos “ampliar” e “integrar” talvez estejam entre os verbetes mais usados no dia-a-dia. Acontece que, quando estamos pensando em conceber um espaço, a ideia é de que tudo se converse para que realmente haja uma história e não seja apenas um apanhado de móveis e objetos sem liga. Se fosse em um bolo a integração seria a reação entre o glúten da farinha, o ovo e o fermento que vai fazer aquilo tudo virar uma massa só e crescer, ela é responsável por trazer uma característica de todo. Já a ampliação é a noz moscada, a canela e o gengibre que vão realçar o sabor do chocolate e trazer novas sensações quando comemos, aquilo que muda nossa perspectiva do ambiente e, muitas vezes, a forma com que o usamos.

Veja bem, ampliar nem sempre significa precisar de mais espaço. Existe uma ideia de que é necessário ambientes grandes, salas suntuosas e espaçosas para não sentir claustrofobia, contudo nossa noção de espaço apertado não se fixa somente no tamanho do ambiente. Janelas, altura do pé direito, cores, móveis, tapetes, iluminação e uma série de outras composições mudam a percepção de amplitude. Se ao sair do elevador nos deparamos com um hall cheio de espelhos temos uma sensação de amplitude por conta do reflexo, mas quando passamos pela porta e nos deparamos com a vista da varanda, na outra ponta da sala, que enquadra uma paisagem linda de São Paulo, a sensação de amplitude estará muito mais presente na paisagem do que no tamanho da sala em si.

A Vista
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Talvez seja daí que veio nossa vontade de integrar cozinhas com sala na maioria das vezes, esse desejo quase que universal não diz respeito meramente à amplitude visual de se cozinhar assistindo TV ou conversando com quem está no sofá, mas também é com a ausência de barreiras que deixamos de ter várias histórias fragmentadas a ser contadas e passamos a ter uma só. Enquanto deitamos preguiçosamente assistindo pela sétima vez A Fantástica Fábrica de Chocolate que passa na TV da sala existe alguém na mesa de jantar fazendo a lição de casa, na varanda outra pessoa estará admirando a vista enquanto uma quarta estará no fogão preparando omeletes e salada para o almoço, todas conversam ao mesmo tempo que todas escutam as sacadas irônicas de Willy Wonka e sentem o cheiro da salsinha fresca na frigideira invadir todo o espaço.

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Contudo a integração não se dá apenas pela ausência, seja de portas, paredes ou barreiras. Ainda que se tenha tamanho, vista e aberturas é possível sentir-se apertado em alguns cantos, espaços que viram meras passagens por conta da largura estreita ou por não se ter uma função. Felizmente, para nós, quando Le Corbusier consagra a arquitetura moderna numa Europa devastada no pós guerra ele traz as fitas como o suprassumo da modernidade, a fita pode ser qualquer coisa que seja mais comprida do que larga, seja uma janela que rasga toda a fachada ou uma mesa que sai da cozinha e chega até a varanda sem nenhum pé, apenas abraçada ao pilar que a sustenta. As fitas têm a função além de estética, elas permitem que a gente traga um elemento de lá pra cá mesmo quando temos pouca largura de passagem e garante que tudo será conectado, sem deixar nenhuma pelota de farinha no nosso bolo.

A Vista

Sendo assim, a orquestra da vida doméstica é tocada a diversas mãos fazendo diversas coisas ao mesmo tempo em diversos lugares diferentes, ela começa tirando abobrinhas da geladeira e as fatiando ao lado da pia da cozinha para logo enviá-las para a varanda através da mesa em fita, ali elas são embebidas em molho e entram na churrasqueira até a crosta crocante se formar, as abobrinhas, então, irão para a mesa de jantar junto com o arroz e as fritas e o cheiro que se espalha por todos os cantos irá chamar a todos que estiverem assistindo TV ou lendo um livro em alguma poltrona do cômodo. O ápice da peça será o momento em que todos se sentam juntos à mesa e o ambiente se inunda com o tilintar de garfos e facas, risadas e vozes sobrepostas até que não sobre mais nenhuma batata frita na travessa. Para a alegria de todos, nessa orquestra não existe cortina que se fecha com o fim da apresentação, o projeto de arquitetura foi perspicaz em lembrar que, depois que a janta acaba, a cozinha estará logo ali e todos poderão ajudar a lavar a louça.

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