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O refúgio


Sabe aquele clima de fim de ano que todos no escritório já vão trabalhar com a mala de viagem e a roupa de banho por baixo do terno e gravata porque, dali, vão direto para a praia? Aqueles tempos que já imaginamos as notícias da Marginal parada desde a Ponte das Bandeiras e o litoral cheio de turistas. Eu, particularmente, adoro essa época que a rotina se quebra e, de repente, a cidade caótica já não tem mais tanto caos e até os ônibus estão vazios as oito da manhã de terça feira.

Apesar de muito se falar sobre sair de São Paulo, e digo São Paulo por estar escrevendo daqui, mas o mesmo se aplicaria a Porto Alegre ou Salvador, sempre queremos voltar, seja pelo trabalho, pelas relações que criamos, pelos museus e casas de show que frequentamos sexta à noite, pela Paulista e pelo Minhocão de domingo e tantas outras coisas que nos fazem amar essa cidade, portanto, mesmo adorando ir embora de vez em quando voltar é sempre bom.

Porém existem alguns tesouros escondidos nessa selva de pedras, existem pessoas que, mesmo sem a mala de viagem e a roupa de banho, têm a sensação de estar saindo da cidade todo dia quando voltam pra casa, com o benefício de não pegar a Marginal parada e sequer sair da zona sul. As vezes é até difícil lembrar que existe calma, tranquilidade e casas com quintal bem no meio do Cambuci mas é exatamente isso que as faz um oásis urbano. A janta se torna um convite para ver as estrelas e o café da manhã vira um momento de regar as plantas, qualquer chance no meio do dia de conversar com a vizinha por cima do muro é uma oportunidade de ganhar uma mudinha de jiboia ou um pedaço de torta de maçã. Diferente das janelas que observam a cidade, esse quintalzinho é observado por ela, como se fosse uma joia incrustrada no mar de concreto.

Quando a Europa mudou de cenário no pós revolução industrial houveram muitos debates sobre o futuro das cidades, em meio a uma Londres suja e poluída Ebenezer Howard foi o teórico que propôs que a cidade fosse intercalada com grandes áreas verdes nos bairros residenciais, projeto que ficou conhecido como a Cidade Jardim. Acontece que a cidade é um organismo vivo, ela cresce, amadurece e faz relações de maneira espontânea e única, muito mais como um caos planejado, mesmo com todo o conhecimento teórico de urbanismo moderno temos a mera capacidade de direcionar o crescimento urbano, mas não o controlar. Entretanto a Cidade Jardim permanece até hoje no nosso ideário e é uma busca constante de moradores de grandes centros urbanos. Talvez seja exatamente por isso que uns poucos metros quadrados de grama cobertos apenas pela abóbada celeste sejam de tamanho valor para nós.

Apesar do magnífico avanço tecnológico, apesar das máquinas, computadores e arranha-céus, apesar da rapidez e do dinamismo ainda somos orgânicos, somos seres de carne, osso e sangue e nosso cérebro é dividido entre racionalidade e emoções, ainda que saibamos o que gostamos e o que nos tira do sério a intensidade dessas emoções pode ser alterada se estamos em um ambiente estressante e artificial ou pisando descalço na grama. Mais ainda em tempos de isolamento, no momento em que todos os que puderam se trancaram em suas casas e pararam de frequentar a cidade as varandas foram a grande salvação de alguns, viraram talvez o cômodo mais importante de muitas casas, especialmente para tomar um solzinho depois do almoço, imagine então tomar o mesmo solzinho deitado na grama de um quintalzinho que, apesar do bucolismo está a poucos quilômetros da Avenida Paulista.

Acredito que existam diversas maneiras de morar na cidade grande, nem todas estão relacionadas com o tipo de moradia pois em uma metrópole como São Paulo o apartamento passa a ser o mais comum para quem vive próximo ao centro expandido da cidade, contudo ainda me enche os olhos encontrar esses pedacinhos de paz no meio do trânsito e do barulho, não só pelo privilégio de ter o seu próprio Ibirapuera a poucos metros da porta da cozinha mas porque, no fim, percebemos que não é o que nos rodeia que tem o maior valor, mas o ambiente que ali é criado é que realmente importa.

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