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Foto do escritorLucas Almeida

Sempre ouvi dizer que alguns móveis são como curvas de rio: conforme as coisas vão passando algumas acabam ficando amontoadas nas margens. Aquela cadeira de escrivaninha que não usamos todo dia, uma bicicleta ergométrica que compramos durante o isolamento social ou até mesmo a mesa de trabalho diária podem virar verdadeiros depósitos de roupas para dobrar, bolsas e outras coisas que, na correria do dia a dia, são colocadas na pasta “resolver depois” no fundo do cérebro.

Acontece que, na maioria das vezes, nós não somos desorganizados e incapazes de conter a nossa própria bagunça, temos que aceitar que a maioria de nós temos rotinas corridas e, entre buscar a criança na escola, dar comida para o cachorro, fazer janta e tomar um banho as vezes fica difícil lembrar de guardar cada coisa no seu devido lugar. Uma das formas que a arquitetura encontra para driblar os problemas da rotina é pensar neles como condicionantes para o projeto.

Sendo assim, se sabemos que vamos chegar em casa com duas sacolas penduradas nos braços e as mãos ocupadas com chaves talvez o mais sensato a se fazer é pensar em um lugar para jogarmos tudo de uma vez, porque sabemos bem que vez ou outra as coisas vão ficando pelo caminho, e está tudo bem.

Nem sempre a forma com que as coisas vêm sendo feitas é o que se adapta ao nosso estilo de vida, até porque nós estamos sempre em movimento e as coisas param de fazer sentido com a mesma rapidez que começam. Não é porque decidimos que as chaves deveriam ficar penduradas ao lado da porta que não podemos apenas deixa-las numa tigela ao lado da cama, ou porque decidimos que temos que dobrar as camisetas em gavetas que não podemos coloca-las dentro de um baú (ou apenas deixa-las num cesto no armário até a gente dobrar, sabemos que as vezes a preguiça é maior). O ponto é, pensamos em ambientes para nos sentirmos bem com a nossa vida dentro deles e, por isso, nossa vida precisa caber na nossa casa do jeito e formato que ela é, porque no fim do dia, iremos deitar na cama e recomeçar tudo mais uma vez e o mais importante é que a gente se sinta bem.


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Foto do escritorLucas Almeida

Temos o costume de separar nossas casas em espaços sociais e íntimos, isso porque muitas vezes não queremos receber amigos e visitas em meio às nossas roupas, bagunças do dia a dia e pertences pessoais. Uma grande inovação da arquitetura modernista, ao entender que as funções devem ser exploradas ao máximo, foi perceber que a casa de banho e o lavabo poderiam ser espaços separados, afinal dificilmente iremos usar pia, vaso sanitário e chuveiro ao mesmo tempo.

Lavabos não são necessariamente uma novidade arquitetônica, historicamente as casas dispunham de tinas ou pias para lavar as mãos antes de refeições ou ao acordar, sempre ligados à uma ideia de higiene pessoal, entretanto, ter um espaço de higiene para visitas é bastante inovador do ponto de vista funcional. Com a correria do dia a dia nem sempre conseguimos organizar nossos espaços pessoais e, certamente, nem sempre é confortável deixar visitas usarem o banheiro com produtos de skin care e roupas íntimas penduradas no box. A função de higiene somada ao apelo estético dos lavabos os tornou aconchegantes e, geralmente, muito cheios de personalidade.

Por serem áreas molhadas, e com muita umidade, geralmente precisamos tomar cuidado com os materiais dos banheiros, porém os lavabos, onde não há um chuveiro, permitem uma integração bem harmoniosa com os ambientes sociais. Revestimentos quentes tal qual a madeira natural ou pedras mais rústicas, iluminação cênica e direcional para criar pontos de foco, quadros e decorações que costumam não poder molhar e até mesmo texturas mais inusitadas para as bancadas, mais porosas do que de costume, fazem parte do cardápio criativo que um banheiro de visitas oferece aos arquitetos que o projetam.

No mais, a surpresa de abrir uma portinha e se deparar com um cômodo cheio de charme, que as vezes se destaca completamente do resto da casa, costuma ser bastante interessante para os frequentadores. Por não serem espaços de longa permanência o abuso de cores também não é visto como algo claustrofóbico, e por isso que talvez o lugar mais interessante de visitar ao conhecer a casa nova de alguém seja, exatamente, o lavabo.


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Foto do escritorLucas Almeida

Uma das primeiras definições do que é arquitetura pode ser atribuída à Vitruvio, o mesmo que deu o nome ao Homem Vitruviano de Leonardo da Vinci. Ele dizia que para algo ser considerado arquitetura precisava se encaixar em três categorias chamadas de firmitas, utilitas e venustas. Respectivamente, deveria ter estabilidade estrutural para ficar em pé, ter uma utilidade definida e que fizesse sentido e, por fim, ser belo. Mesmo que o conceito de beleza possa ter mudado drasticamente da Roma antiga para os dias de hoje ainda nos apoiamos nesses pilares para construir boa arquitetura.

A organização é bela. O visual organizado não é só agradável por remeter a limpeza e tranquilidade, mas também porque vivemos em um mundo no qual precisamos acordar cedo e dar café para as crianças, alimentar o gato e lavar a louça antes de chegar no trabalho. Portanto, é bastante útil que a gente não precise gastar tempo procurando coisas toda vez que queremos usá-las.

Grande parte da nossa qualidade de vida é proveniente das experiencias positivas que temos ao frequentar ambientes, e essas experiencias sensoriais passam também pelo que vemos. Alguns podem preferir esconder as bagunças em armários ou criar grandes espaços para armazenar aquilo que pouco se usa, podemos usar a cor branca de forma monocromática para passar a sensação de uma amplitude limpa e organizada. A criatividade nem sempre está em ser fora da curva, mas as vezes em uma simples solução de puxadores em cava que não vão enganchar na pilha de roupa limpa quando precisarmos abrir a porta com uma só mão, ou na criação de uma bancada de pedra acima da máquina para poder apoiar um cesto e um pote de sabão em pó sem fazer uma grande sujeira naqueles cantinhos que quase nunca conseguimos limpar.

Mas também a organização pode existir ao deixarmos tudo à vista, de forma que encontremos aquilo que queremos sem nem precisar abrir um armário. Ou trazendo alguma calidez com madeiras, tapetes e metais que se misturam nos diversos rótulos e embalagens chamativas da despensa. O ponto é: nem só de festas, encontros e comemorações vive uma casa, precisamos também cuidar do que acontece atrás das cortinas enquanto a peça da vida se desenrola no palco, não só porque uma casa que contemple nossas reais necessidades aumenta drasticamente nossa qualidade de vida, mas também porque o belo precisa ser útil e firme para fazer sentido.



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